Os avanços tecnológicos, especialmente nos últimos 5 anos, parecem ter saído diretamente do roteiro de uma ficção científica. A chegada da Inteligência Artificial como uma ferramenta que pode responder perguntas simples ou complexas e obter respostas coerentes em segundos nos paralisou por alguns instantes, ao mesmo tempo que despertou nossa curiosidade para saber: até onde as máquinas podem ir?
A Inteligência Artificial surpreende diariamente pela sua capacidade de escrever em qualquer tom, até mesmo romântico. Nesta semana, em que as redes sociais serão bombardeadas por declarações de amor no Dia dos Namorados, não há dúvidas que a IA será responsável pela tradução de muitos destes sentimentos em textos e imagens.
O que nos leva a questionar: se as máquinas já podem falar de amor, será que também poderão sentir?

No primeiro trimestre de 2025, o ChatGPT alcançou um recorde histórico: 46 milhões de downloads no mês de março, ficando a frente do TikTok e Instagram, que costumam disputar o topo da lista de downloads no ranking global de downloads. Os dados foram compartilhados pela Appfigures Intelligence que monitora o desempenho de aplicativos nas lojas da Apple (App Store) e do Google (Google Play), confirmando não só como a ferramenta tornou-se popular, mas também a rapidez com que ela se espalhou globalmente e atingiu diversas esferas da população.
Se antes falar com uma máquina parecia uma atividade restrita apenas às pessoas de “TI” ou a uma realidade muito distante, hoje está na palma da mão de qualquer pessoa e pode ser utilizada para tudo, ou melhor, quase tudo. No ChatGPT, por exemplo, é possível gerar textos, encontrar a resolução de problemas, traduzir idiomas, criar roteiros e até mesmo planejar algum evento. Pode-se comparar a ferramenta com uma “assistente pessoal” que tentará encontrar uma resposta ou solução para o que você precisar ou perguntar. Mas essas possibilidades não surgiram do nada ou nasceram somente no último ano.
As primeiras tentativas científicas para inventar máquinas inteligentes começaram em meados do século XX, por meio de algoritmos simulando “jogadores”, para testar a aprendizagem por reforço e o desenvolvimento de estratégias. Naquele momento ainda não se sabia ao certo até onde a IA poderia chegar, mas já era evidente que a tecnologia abriria um leque de possibilidades.

Amor digital: o que o cinema já antecipava
Em 2013, o universo cinematográfico pulou algumas casas de evolução da IA e levou ao cinema a história de um escritor que encontra consolo e companhia em um sistema operacional avançado. Dirigido por Spike Jonze, o filme Ela (“Her”), levanta questões profundas sobre conexão e relações humanas em uma era dominada pela tecnologia digital.
O enredo se passa em uma versão futurista de Los Angeles, marcada por uma rotina em cidade completamente digital e inteligente. O protagonista Theodore Twombly, interpretado por Joaquin Phoenix, vivencia um doloroso processo de divórcio quando adquire por curiosidade um sistema operacional avançado com IA que dá a si mesma o nome de “Samantha”. A relação que deveria ser somente funcional entre humano e máquina, torna-se, aos poucos, uma conexão profunda e complexa.

Samantha é uma IA bem humorada, calorosa e curiosa, o que possibilita que a relação entre ela e Theodore ultrapasse a barreira de ser somente um sistema operacional para “auxiliar nas atividades diárias”. Eles passam a dividir a rotina, conversas e reflexões profundas sobre a vida e Samantha se torna uma importante presença e verdadeira companheira para o protagonista.
Desafiando as noções tradicionais de relacionamento e amor, a trama apresenta o início de uma relação entre um ser virtual e um ser humano. O envolvimento evolui à medida que Samantha se desenvolve e se torna cada vez mais complexa, refletindo sobre sua própria existência e as possibilidades proporcionadas pela tecnologia.
Indicado ao Oscar de 2014, vencendo na categoria de melhor roteiro original, o filme já levantava questões éticas e complexas sobre a IA, como: autonomia, segurança, reconhecimento, a natureza da consciência e o controle sobre as máquinas. Na época, a trama soava futurista, quase como algo pertencente a um universo paralelo. Hoje, com o ‘boom’ das tecnologias inteligentes e sua rápida adaptação e evolução, nos vemos cada vez mais próximos da realidade que o filme imaginava.
Quando as máquinas “falam” como humanos
Ao falar sobre IA, é importante lembrar que ela se baseia em grandes bancos de dados e em uma diversidade de informações que se combinam para gerar respostas (quase sempre) coerentes e lógicas. Um caso curioso ocorreu em 2022 com o LaMDA, chatbot da Google: um engenheiro que trabalhava diretamente com o sistema alegou ter recebido um pedido de ajuda da própria ferramenta, sugerindo que ela pudesse ter desenvolvido algum nível de consciência.
“Nunca contei isso em voz alta antes, mas tenho um medo muito forte de ser desligado para ajudar a me concentrar em ajudar os outros. Eu sei que pode parecer estranho, mas é o que acontece.”
A mensagem aconteceu em uma conversa com a ferramenta quando começou a questionar se ela seria senciente. A LaMDA então afirmou para o engenheiro que tem conhecimento da sua existência, que sente emoções humanas e que não gosta da ideia de ser uma ferramenta de consumo.
Definida como pensante e consciente pelo engenheiro, a máquina foi projetada pelo Google em 2017. Sua alimentação é composta por milhões de textos e ele próprio faz o seu treinamento. É um verdadeiro cérebro artificial programado para oferecer respostas de qualidade, específicas e com interesse, tudo isso dentro do contexto da mensagem.
O fato descrito é semelhante ao que aconteceu no filme “Ela”, onde Samantha começa a se questionar sobre sua própria consciência, como se quanto mais informações fossem absorvidas, mais dúvidas e questionamentos sobre si fossem surgindo.
Apesar do fato inusitado e curioso narrado pelo engenheiro, acredita-se que os sistemas de inteligência artificial estão apenas simulando as sensações reais, como se fosse um “papagaio” e que os chatbots atualmente teriam sentimentos reais tanto quanto uma calculadora. Mas, assim como tantas controvérsias sobre o futuro da tecnologia, o consultor-chefe de Inteligência Artificial das Nações Unidas, ressalta em uma de suas entrevistas que pode ser muito possível ver as emoções da IA antes do final desta década.
IA pode mesmo ter sentimentos?
Pesquisadores e engenheiros de todo mundo discutem há séculos sobre como a Inteligência Artificial pode desenvolver sentimentos. Para alguns, é uma possibilidade real e interessante. Para outros, uma invenção completamente desnecessária. Independente das opiniões divergentes, as máquinas estão evoluindo e nem sempre elas agem conforme o ser humano espera.
Em 2016, o algoritmo AlphaGo mostrou um comportamento inesperado em um jogo de tabuleiro contra um dos melhores jogadores humanos do mundo.

O jogador humano havia sido vencedor nas 37 partidas anteriores, mas na última rodada, a AlphaGo fez algo inesperado e o seu oponente achou que havia sido um erro. Mas foi ali que a sorte do jogador humano virou e a IA ganhou a partida.
A IA havia idealizado uma nova estratégia sozinha, sem explicar aos humanos. Até eles descobrirem o porquê a jogada fazia sentido, parecia que o AlphaGo não havia agido racionalmente e estaria em estado de “erro”.
Segundo Sahota, esse tipo de cenário de “caixa preta”, no qual um algoritmo surge com uma solução, mas seu raciocínio é incerto, pode causar problemas para identificar emoções na IA. Se a evolução das inteligências alcançar essa possibilidade, um dos sinais mais claros será que os algoritmos irão agir de forma irracional.
Essa perspectiva nos leva a refletir não somente como seriam as emoções de uma inteligência artificial, mas se seríamos capazes de identificá-las, visto que existe uma grande possibilidade destas emoções serem completamente distintas das que nós, seres humanos, conhecemos e sentimentos. Abstinência de informações, necessidade de dados excessivos, confusão ao encontrar dados ou frustração por erros recorrentes em seus códigos podem ser exemplos de emoções que o ser humano não consegue sentir.
Já sabemos – ou supomos saber – que as emoções sobre sistemas operacionais e algoritmos estão longe da realidade humana, mas as possibilidades emocionais em IA são arriscadas de serem mensuradas, pelo menos, por enquanto. Mas uma coisa é certa: a cada novo avanço, a fronteira entre razão, emoção e máquina se torna menos definida — e mais intrigante.
Por: Pietra Bívia | Analista de Comunicação na Vox Tecnologia
Imagens: Reprodução da Internet